Dia 4 – Yanama a Yungay
14/09/2019
O plano era sair de Yanama e parar na laguna de Llanganuco, onde havia um clube que os locais de Yungay vão no fim de semana. Botaríamos as bicicletas numa van até Yungay. Supostamente haveria transporte, mas a realidade acabou sendo diferente.
Saímos as 7:30 da pousada. Tomamos um bom café, além de um chá de coca extra forte, pois o dia seria o mais difícil da viagem. De Yanama até o passo de Portachuelo seriam mais de 30 km de subida praticamente incessante. Sairíamos de 3.300 m e chegaríamos a 4.735 m.
Para piorar as coisas, a estrada era bem ruim, com pedras salientes. Além do esforço de pedalar, havia um esforço extra de ficar o tempo todo procurando um traçado menos trepidante, o que não era fácil e minava o moral.
Eu tinha lido que o caminho seria ruim e fui com pneus de 2.1″ na dianteira e 1.95″ na traseira. O Ricardo foi com os 1.75″, que normalmente usamos em cicloviagens. Ele sofreu mais do que eu. Se alguém planeja fazer esse roteiro, recomendo pneus acima de 2.0″.
Lá pelos 5 km pedalados, comecei a ouvir um “tec-tec” na roda traseira. A suspeita de um raio quebrado se confirmou quando fui verificar. Deve ter sido a descida do passo Pupash, no dia anterior, que abusou da magrela. Como estava com freio a disco, um possível desalinhamento na roda não afetaria a frenagem. Mesmo assim, fiquei mais atento para evitar impactos na roda traseira.
Na estrada havia marcas recentes de pneus de mais duas bicicletas, pelo menos. Fomos encontra-los num camping já próximos de Yungay, onde pararam para dormir.
Pedalamos até Vaqueria, onde paramos para comer um cevichocho. Esse é um prato regional da Cordilheira Branca. É um ceviche, só que sem peixe. No lugar dele vai uma leguminosa chamada chocho. O chocho (ou tauri/tarhui) é nativo dos Andes e só cresce acima dos 2.000m. Dizem ser um super alimento, rico em proteínas, gorduras boas e outros nutrientes. Em breve vai aparecer nas lojas de produtos naturais.
Eu e o Ricardo havíamos passado em Vaqueria num trekking no ano 2.000. Naquela época, o lugar era um completo nada, só um ponto no mapa. Agora havia algumas vendas e pousadas simples.
Depois de Vaqueria não havia mais casas ou qualquer sinal de civilização. A vegetação era de altitude e a única coisa familiar eram as intrépidas vaquinhas da Cordilheira Branca. Continuamos a ver esses bichos até uma altitude de uns 4.500 m. E as suas marcas pelo chão.
Pelo caminho cruzamos com alguns valentes caminhões e vans passando por aquela estrada ruim. Eles eram o nosso plano de fuga, se precisássemos de ajuda.
A estrada começou a fazer um zigue-zague contínuo e começou a nevar. Vestimos novamente as toucas de banho. Começamos a chegar numa região de lagunas de altitudes. Elas e os glaciares formavam uma paisagem muito bonita.
A subida ao Portachuelo é muito mais exigente do que a da Punta Olímpica, apesar de terem altitudes parecidas. O caminho da Punta Olímpica é todo de asfalto, além de sair de um ponto mais alto. O cansaço acumulado de 6 dias de esforço, a altitude elevada e a estrada ruim se faziam sentir. Eu estava rendendo pouco e o Ricardo estava desanimado. Ele decidiu que pegaria uma van, caso passasse alguma, até o passo de Portachuelo. Só que não passou nenhuma e o remédio foi continuar pedalando. Eu estava respeitando o meu ritmo e queria chegar pedalando, demorasse o quanto demorasse.
Seguimos com constantes paradas para descansar e adivinhar onde seria a última curva antes do passo (ainda estava longe). Já havíamos pedalado, em subida constante, mais de 30 km. Ainda faltavam 2 km pelo mapa baixado no celular. Juntamos o restante de energia e continuamos em frente.
Quando chegamos ao passo de Portachuelo foi uma sensação de conquista muito grande. Parecia que, depois de ter vencido essa etapa, conseguiria fazer qualquer coisa. Subimos tudo aquilo sem empurrar um único metro.
O visual lá do alto era impressionante. Portachuelo é uma corruptela de Porta del Cielo (pelo que li em algum lugar). E é essa a sensação que tive: o céu a frente, a quebrada e as lagunas de Llanganuco abaixo, do lado esquerdo, os dois cumes do Huascarán e, do lado direito, os quatro cumes do Huandoy.
Nos cumprimentamos pela missão cumprida (o Ricardo estava feliz de não ter pegado uma carona), tiramos muitas fotos e comemos um pouco. A diversão era descer as dezenas de curvas até Cebollapampa, uma área plana antes das lagunas. A descida exigia muito, com estrada igualmente ruim, trepidação e curvas acentuadas. A paisagem em volta fazia tudo isso valer a pena. A medida que descíamos, novos ângulos do lugar eram descobertos.
Passamos ao lado de um riacho caudaloso que vinha do glaciar do Huascaran, mais um pouco e chegamos na parte plana, Cebollapampa. Tem uma infra de camping lá. Havia até uma barraca com alguém, a quem acenamos de longe.
A visão dos paredões da Quebrada de Llanganuco e suas lagunas esmeraldas eram as novas atrações para nós. Mais e mais fotos. Estive aí em 2.000, mas não me lembrava de como esse lugar era bonito e imenso. Se fosse nos Estados Unidos ou Europa, seria uma atração mundial, de tão espetacular que é.
Seguimos pedalando e fotografando pela estrada ao longo das lagunas. Seria um único trecho plano e de boa estrada no dia.
Nosso plano de pegar uma van no “clube” da Laguna Llanganuco foi para o espaço, o local estava fechado e vazio. Nem havia mais tráfego de carros na estrada. Teríamos ainda mais 25 km da Laguna Llanganuco até Yungay. A boa notícia é que seria somente descida. A ruim era a condição da estrada, irregular e com pedras, quase não permitindo botar o traseiro no selim. Não teríamos muito tempo de luz também. Então, mandamos ver dentro do limite para não tomar um chão e piorar as coisas.
A Quebrada fica mais estreita depois das lagunas. Fiquei pensando como teria sido o terremoto de 1970, que fez desprender uma gigante manta de neve do glaciar do Huascarán, que se misturou com terra, água e pedras, descendo essa quebrada em velocidade superior a 250 km/h, arrasando tudo que estava no caminho até Yungay.
Finalmente começaram a aparecer algumas casas. O sol estava se pondo e estávamos preocupados, pois a cidade de Yungay ainda estava longe. Como tudo dá para ficar um pouco mais complicado, furou o meu pneu traseiro. Paramos para trocar a câmera e descubro mais 2 raios quebrados. Agora eram 3 dos 32 da roda. Luz amarela acesa. Fiz o restante da descida em pé, sem sentar, para jogar o meu peso mais para a roda da frente.
Passamos por outro camping, onde estavam os ciclistas que vimos as marcas de pneu. Paramos um pouco mais adiante para colocar os faróis pois o sol havia se posto e a luz do crepúsculo não era suficiente para ver o caminho.
Se por um lado nos dava uma tranquilidade ver casas na beira da estrada, do outro lado significava que teríamos cachorros para correr atrás da gente. De novo, tínhamos que berrar mais alto para dissuadi-los.
Começamos a ver uma quantidade de luzes maior no vale, o que parecia a ser Yungay. Só que não parávamos de descer e a cidade nunca chegava. Só depois fui verificar que a diferença de altitude de Portachuelo a Yungay eram de 2.300 m!
Chegando em Yungay, rapidamente achamos o ponto de vans e em 5 minutos as bikes estavam desmontadas e dentro da van. Eram 19:30. Foram 12 horas de Yanama até Yungay.
Seguimos para Huaraz, onde montamos novamente as bikes e rumamos para o nosso hostel, o Jo’s Place (dessa vez com reserva garantida). Quando chegamos lá, só tive energia de tomar um banho e fazer uma comida com o que sobrou nos alforjes. Depois disso, foi cair na cama e descansar merecidamente.
Resumo do dia
- Distância: 81.9 km
- Ascensão: 2.699 m
- Ponto mais alto: 4.735 m